segunda-feira, 14 de maio de 2012

Crítica: A noite do demônio (The night of the Demon, 1957)


Eis um diretor que pode rivalizar com Hitchcock sobre o status de mestre do suspense: Jacques Tourneur. A maneira como ambos escolhiam os temas de seus filmes eram distintas (Hitch era acima de tudo realista, Tourneur mais independente da realidade), mas a maestria de ambos, as trivialidades visuais e subjetivas que usavam, a dialética e o desembaraço artístico chegam a ponto de competir na história do gênero. Se o diretor inglês tem pérolas do calibre de Psicose e Janela Indiscreta para atestar sua imortalidade, o francês não deixa barato e colou na parede Sangue de pantera O homem leopardo, para citar alguns. 4 grandes exemplares do suspense, unidos por suas significâncias inestimáveis e que usam dialéticas filosóficas tão semelhantes quanto o domínio de quem as contou: O mal pode arruinar o próprio mal, pois o mal não existe com a luz que evita sua existência. Quando os gatos saem, os ratos fazem a festa; e um gênero não pode ter um único representante definitivo.




Desde os tempos remotos, uma maldição literalmente demoníaca assola qualquer pessoa que ousar se envolver de qualquer jeito com ela, a fim de investigá-la ou desmascará-la. A noite do demônio é uma “simples” analogia as milhares de seitas diabólicas mundo afora, que precisam de representantes espalhados pelos quatro cantos do mundo para adquirir a sobrevivência global. Quando um homem viaja a Londres para investigar tal maldição, se defronta com rupturas que podem levá-lo a rever seu ceticismo em relação ao sobrenatural. Nesse sentido, Tourneur não pretende nos fazer acreditar junto do personagem, mas rever nossos conceitos pelo menos enquanto o filme (hipnotizante) nos é proporcionado. Para isso, o diretor optou por mostrar a imagem crua do diabo como ele é reconhecido inocentemente pela cultura popular, uma aposta certeira do diretor em prol de uma identificação mínima além de qualquer indignação que o personagem de Dana Andrews possa sentir.

A história não é brilhante, mas se torna justamente hipnotizante pelo equilíbrio perfeito da narrativa visual. O filme equaliza de um jeito reverencial toda a bagagem do mito demoníaco que todos nós temos com o êxtase visual de uma fotografia preto e branco seminal. Nada pode substituir os planos tímidos dentro de uma floresta claustrofóbica, com seus sons dispersos, ou planos em um quarto escuro, onde um gato pode se transformar em uma pantera e atacar um intruso que quer saber demais (Tourneur aqui usa ironicamente de influência própria, já que essa cena também tem a mesma essência de outra, em Sangue de pantera). Os planos são tímidos para não mostrar muito e assim surpreender quando bem quiser, quantas vezes precisar. Sim, uso eficiente, mas estava errado em dizer que nada os substituía, tão errado quanto quem acha isso até babar com semi-planos-sequências em preto e branco, cada vez mais presentes quanto mais a história se desenrola, nos fazendo mais e mais adeptos ao filme. Planos grudentos a qualquer memória cinéfila que se preze.

foto de A Noite do DemônioComo no cinema de Jacques Tourneur o que importa é o elemento atemporal, conseguido através de qualquer artimanha ética ou não, o que resta é a admiração de sua obra-chave, uma fábula metafórica sobre a corrupção que poucas vezes o cinema criou, não com essa vivacidade proporcionada aqui tão bem para até os mais leigos poderem atestar. Acredito que M - O vampiro de Dusseldorf possa ser com suas particularidades a grande base atmosférica para este outro grande filme, afinal Tourneur sempre será o mais feliz herdeiro do expressionismo alemão em termos visuais, tendo a sensibilidade necessária para expressar o que Fritz Lang e outros já tinham começado anteriormente, sem se repetir. Atitude rara, tão rara quanto a satisfação após um daqueles finais dualísticos à la Tourneur. Filme obrigatório.

Nota: 10.0

Um comentário:

Rafael W. disse...

Excelente análise, Doug!

http://eaicinefilocadevoce.blogspot.com.br/